16 novembro 2007

Foi ha um ano


Foi há um ano, há precisamente um ano... Lembrava-se de cada detalhe como se tivesse sido há uma semana atrás. Levantou-se cedo e arranjou-se com muito cuidado, sempre o fazia, mas naquele dia caprichou. Ia encontrar-se com ele, queria estar linda, sentir-se bem, sentir-se segura, sempre ajudava a disfarçar um pouco o nervosismo. Ao lembrar-se dos preparativos sorriu. Estava eufórica, parecia uma teenager a caminho do first date com o primeiro namorado... novo sorriso. Estava na casa dos trinta, mais precisamente na segunda metade. Era uma mãe extremosa e feliz, uma mulher profissionalmente realizada, bem sucedida, sobrevivente de uma relação destroçada ao fim de quase duas décadas de vida em comum. Estava bem consigo mesmo, serena, tinha conseguido reaver a calma e paz de espírito que tanto estimava.Conhecera-o há relativamente pouco tempo mas simpatizou com ele à primeira. Foi mútuo, trocaram contactos, conversaram várias vezes, conversaram muito e, de cada vez que o faziam, perdiam completamente noção do tempo. Agora, um almoço a dois…Estava pronta, olhou-se ao espelho, tailleur preto, blusa branca com finas risquinhas em cinza, colar, anel, brincos, tudo cuidadosamente escolhido – prateado com pedras cinzentas. Sapatos pretos, ornamentados com uma flor de pétalas ornadas em branco e fitinhas de atar a volta dos tornozelos, saltos agulha, bem altos (como quase sempre). Cabelo solto pelos ombros, bastante encaracolado, castanho com reflexos acobreados, avermelhados. Maquilhagem suave com destaque para as pestanas alongadas com rímel preto. Olhou de novo seu reflexo, teve duvidas, estava tão formal... Mas afinal era dia de trabalho e não podia ir de outra forma. Lembrou-se que ele estava na mesma situação e deu um suspiro de alívio. Faltava um detalhe, batom. Voltou a casa de banho, tirou dois, um no tom dos lábios, natural, discreto, outro vermelho vivo... optou estrategicamente pelo segundo. Ninguém duvida da segurança de uma mulher que usa batom vermelho... sorriu quando essa ideia lhe passava pelo pensamento.Tinham combinado que ele a iria buscar ao trabalho por volta das 13h00. Avisou-a quando saiu do emprego para ir ao encontro dela, levaria uns 15 a 20 minutos. Já pertinho, entrou numa rua de sentido único, não poderia voltar atrás. Ligou a avisar que se atrasaria um pouco devido ao desvio que teria que fazer. – “Não! Encosta ai na esquina, é pertinho, eu vou lá ter”. Pegou na carteira e saiu. Estava um dia agradável, embora um pouco cinzento, típico fim de Verão ou princípio de Outono. Desceu a rua e virou a direita, começou a chuviscar. De novo o telemóvel – ”Não venhas, está a chover, eu dou a volta e vou-te buscar”. – “Não é preciso, já saí e estou a chegar”. Continuou a caminhar em direcção a esquina. Ele apareceu, de repente, de guarda-chuva na mão. Não podia acreditar, eram apenas alguns passos, que gentil, quanta delicadeza... Aquele gesto a tocou. Abriu-lhe a porta do carro. No carro cumprimentaram-se melhor, embora timidamente. Ele vinha muito elegante, fato cinza, camisa branca, gravata num tom mais escuro que o fato. Tinha um ar distinto, altivo até, mas ao mesmo tempo muito simpático. Era alto e gorduchinho, fazia lembrar um ursinho de peluche muito fofo, daqueles que dá vontade de apertar, de beliscar... Transmitia tranquilidade e boa disposição. Tinha um olhar bonito, penetrante, parecia que só olhando conseguiria ler seus pensamentos. A voz era muito sexy, grossa, falava pronunciando pausadamente cada palavra. A voz dele, aí aquela voz… arrepiou-se só de lembrar, lembrou-se de momentos mais íntimos, sussurros… Também ele estava nervoso, atrapalhou-se na condução, enganou-se no caminho. Quando chegaram ao restaurante ela não pode deixar de rir, riram-se os dois, tinham dado uma volta enorme para um percurso que poderia ter sido feito em menos que metade do tempo. O restaurante era simpático, típico, regional. Decoração rústica, de muito bom gosto. Era cliente assíduo da casa, amigo do dono. Depressa se apercebeu que era um verdadeiro apreciador de comes e bebes, um gourmet. Ele ouviu o Chefe, sugeriu, escolheu. Comportou-se como um verdadeiro anfitrião. O vinho foi escolhido após cuidadosa selecção na carta, era doce, uma delícia... Ao longo do almoço, conversaram sobre mil e uma coisas, sobre suas vidas, seus filhos, suas respectivas separações, sua forma de encarar a vida, seus projectos e anseios para o futuro. Ocasionalmente, a conversa era interrompida por silêncios cortantes e desconfortáveis. Nessas ocasiões, olhavam um para o outro a ver quem retomaria a conversa e ela sentia-se corar. Constrangedor! Não dá para disfarçar (nem mesmo usando batom vermelho). Ele gracejou e ela ficou ainda mais vermelha.Pegou-lhe na mão direita sob pretexto de melhor ver o anel, tinha uma enorme pedra cinzenta incrustada debaixo de um encruzilhado prateado que parecia uma cobra. Observou também a palma da sua mão. Elogiou suas mãos. Eram bonitas, muito finas, dedos compridos, unhas bem cuidadas, vermelhas, no mesmo tom que o batom. Ele tinha as mãos quentes, um pouco transpiradas, mãos pequenas, dedos curtos, gordinhos. Dedos delicados e suaves que arrancavam lindas melodias da guitarra estimada, dedos carinhosos, mágicos... Sentiu-se protegida enquanto ele segurava assim a sua mão, delicadamente, sentiu algo que na altura não soube interpretar (hoje sabe que sentiu que se podia entregar nas mãos dele que ele a saberia cuidar, com carinho, com amor…).A sobremesa foi escolhida a dois, junto do expositor, enquanto o chefe explicava como era confeccionada cada um daqueles pecados. Foi divinal. Depois, café, só um, ele não gosta. Antes de sair, uma surpresa, um presente, uma pequena caixa em madeira com uma paisagem em relevo, parecia um guarda-jóias trabalhado cuidadosamente, lá dentro três frasquinhos – flor de sal, mel de abelhas e amêndoas em mel. Adorou, ficou comovida, sem palavras, sem jeito... Não tinham visto o tempo passar, quando a deixou a porta do trabalho já era quase final do expediente. Ela flutuava, parecia que tinha sonhado, estava sonhando, estava verdadeiramente nas nuvens. Abriu o PC e ligou o Messenger que costuma estar quase sempre em stand-by no rodapé do monitor. Passado pouco tempo, ele (entretanto chegado ao trabalho) fez o mesmo, falaram-se, disseram o quanto tinham gostado do almoço e da companhia um do outro. Mudaram suas frases no Messenger: - “Uma num milhão” e - “A gentleman! Really!”

Foi há um ano, há precisamente um ano, e nesse dia ela soube que tinha encontrado sua alma gémea e que esse seria apenas o início de um lindo conto de amor.

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