28 novembro 2007

Ai ai vizinho


Ele estava deitado de costas apreciando o som que irradiava do rádio-despertador, bem cansado depois de um típico dia de cão no trabalho. Ainda por cima, era Segunda-feira. Olhou para o relógio, passava da meia-noite. Lá fora brilhava a Lua, linda, cheia, prontinha a dar a luz a mil estrelas, mas ele não conseguia ver nada daquilo da cama, apenas apercebia-se dos raios prateados por entre os cortinados.
Lembrou-se, meio irritado, da discussão que tivera com um colega por causa de uma banalidade qualquer. Decidiu deixar esse pensamento de lado e dormir uma noite descansada. Virou-se de lado. Veio-lhe a memoria a boca carnuda da Valquíria… Ela deixara nele marcas mais profundas do que estava disposto admitir. Ah, Valquíria… suspirou. Desligou o rádio e fechou os olhos. Aninhou-se no travesseiro e ficou assim quieto por uns minutos.
De repente, uma espécie de chiar. Outro e mais outro se seguiram. Era acompanhado de um batimento enervante. Não! Outra vez não! Logo agora que ia dormir. Que raiva lhe fazia o vizinho de cima. Rapaz jovem, bem sucedido com as mulheres, solteiro mas nunca só. Meu Deus, pensou. Não aguento isso, é demais! Já não basta estar aqui sozinho, abandonado pela Valquíria. O barulho continuou, a cama a chiar, gemidos mal abafados… Era demais.
Levantou-se, pegou no livro e foi para a sala. Acendeu o candeeiro, instalou-se confortavelmente no sofá. Começou a ler: “(…) No entanto, tinha-se sentado na sua cozinha, a meio da noite, com o cérebro cheio de homicídio; homicídio concreto, não do tipo metafórico. Ate levara uma faca de trinchar para o andar de cima e ficara, durante um minuto terrível, surdo, a olhar para o corpo da mulher adormecida. Depois afastara-se, dormira no quarto de hóspedes, na manha seguinte, fizera as malas e apanhara o primeiro avião para Nova Iorque, sem dar qualquer razão. O que acontecera estava para lá da razão. Precisava de por um oceano, pelo menos um oceano, entre ele e o que quase fizera”.(1)
Fechou os olhos. Como entendia o personagem… Que disparate! Deixou-se estar ali e adormeceu. Horas depois acordou com dores no pescoço. Levantou-se e foi para o quarto. Silêncio total. Agora sim, podia dormir.

(1) in: Fúria – Salman Rushdie

Nenhum comentário: